quinta-feira, 30 de junho de 2011

O PROFESSOR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UM TRABALHADOR DA CONTRADIÇÃO

Um artigo que deve ser lido e comentado:



O PROFESSOR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UM TRABALHADOR DA CONTRADIÇÃO
Bernard Charlot[1]

Fonte: Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 17-31, jul./dez. 2008

RESUMO
O artigo pretende confrontar as injunções da sociedade contemporânea com o que está vivendo o professor “normal”, isto é, a professora que atua a cada dia numa dessas salas de aula que constituem a realidade educacional brasileira. O professor enfrenta contradições que decorrem da contemporaneidade econômica, social e cultural: deve ensinar a todos os alunos em uma escola e uma sociedade regidas pela lei da concorrência, transmitir saberes a alunos cuja maioria quer, antes de tudo, “passar de ano” etc. Essas contradições, porém, não são um simples reflexo das contradições sociais; arraigam-se, também, nas tensões inerentes ao próprio ato de ensino/aprendizagem. O artigo analisa como essas tensões tornam-se contradições na sociedade contemporânea. Destaca seis pontos. O professor é herói ou vítima? É “culpa” do aluno ou do professor? O professor deve ser tradicional ou construtivista? Ser universalista ou respeitar as diferenças? Restaurar a autoridade ou amar os alunos? A escola deve vincular-se à comunidade ou afirmar-se como lugar específico?

Palavras-chaves: Professor – Ensino – Contemporaneidade – Contradições

ABSTRACT
THE TEACHER IN CONTEMPORARY SOCIETY: A WORKER OF CONTRADICTION

The article intends to confront the injunctions of the contemporary society with what the normal professor is living, that is, the teacher who acts every day in one of these classrooms that constitute the Brazilian educational reality. The professor faces contradictions that follow from the economic, social and cultural contemporaneousness: he must teach to all the pupils in a school and a society dominated by the rule or competition, transmit knowledges to pupils whose majority wants, more than everything, to be promoted to the next grade, etc. These contradictions, however, are not simples consequences of the social contradictions; they are rooted, also, in the peculiar tensions between teaching and learning. The paper analyzes how these tensions become contradictions in the contemporary society. It emphasizes six questions. Is the professor hero or victim? Who is guilty, pupil or professor? Must the professor be traditional or constructivist? Must he/she be universalist or respect differences? Must he/she demonstrate authority or must he/she love pupils? Must school be linked with the community or must school be emphasized as a specific place?

Keywords: Teacher – Teaching – Contemporaneousness – Contradictions

Em 1999, António Nóvoa publicou um artigo intitulado “Os Professores na Virada do Milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas”. No resumo do artigo, ressaltou os seguintes pontos.
A chave de leitura do artigo é a lógica excesso-pobreza,aplicada ao exame da situação dos professores:

do excesso da retórica política e dos mass-media à pobreza das políticas educativas; do excesso das linguagens dos especialistas internacionais à pobreza dos programas de formação de professores; do excesso  do discurso científico-educacional à pobreza das práticas pedagógicas e do excesso das “vozes” dos professores à pobreza das práticas associativas docentes. Não recusando um pensamento “utópico”, o autor critica as análises “prospectivas” que revelam um “excesso de futuro” que é, ao mesmo tempo, um “déficit de presente” (NÓVOA, 1999).

Quando se reflete sobre os desafios encarados pelos professores na sociedade contemporânea, é
preciso não esquecer a advertência: ao acumular palavras ou expressões como “globalização”, “inovações”, “sociedade do saber”, “novas tecnologias de informação e comunicação”, corre-se o risco de sacrificar a análise do presente à visão profética do futuro. Contudo, em uma sociedade cujo projeto é o “desenvolvimento” e que está vivendo uma fase de transformações rápidas e profundas e em se tratando da formação das crianças, é difícil evitar a perspectiva do futuro quando se fala da educação. Parece-me possível superar a dificuldade analisando as contradições que o professor contemporâneo deve enfrentar. Elas decorrem do choque entre as práticas do professor atual e as injunções dirigidas ao futuro professor ideal. São elas, a meu ver, que levam ao “excesso dos discursos”. Essa é a chave de leitura deste artigo, que pretende confrontar as injunções da sociedade contemporânea com o que está vivendo o professor “normal”, isto é, a professora que atua a cada dia numa dessas salas de aula que constituem a realidade educacional brasileira.

1. A escola e o professor na encruzilhada das contradições econômicas, sociais e culturais

Até a década de 50 do século XX, a escola primária cumpre funções de alfabetização, transmissão de conhecimentos elementares e, como diziam no século XIX, “moralização do povo pela educação”. Poucas crianças seguem estudando além desse nível primário. Aliás, no Brasil, uma grande parte da população nem é alfabetizada, por não entrar na escola primária ou nela permanecer pouco tempo. Quanto aos jovens das classes populares, saem da escola para trabalhar na roça, numa loja, etc., sejam eles bem-sucedidos ou fracassados.
Para as crianças do povo, a escola não abre perspectivas profissionais e não promete ascensão social, com exceção de uma pequena minoria que, muitas vezes, passa a ensinar na escola primária. Os jovens oriundos da classe média continuam estudando além da escola primária, mas, na maioria das vezes, esses estudos os levam às posições sociais a que já eram destinados.
Portanto, a escola não cumpre um papel importante na distribuição das posições sociais e no futuro da criança e, conseqüentemente, a vida dentro da escola fica calma, sem fortes turbulências. Alunos fracassam, mas esse fracasso é apenas um problema pedagógico, não acarreta conseqüências dramáticas e, sendo assim, não é objeto de debate social. Não se fala sobre a “violência escolar”; decerto, há atos de indisciplina e pequenas violências entre as crianças, mas estão na “ordem das coisas” e não preocupam a opinião pública e os professores. Isso não significa dizer que não haja debates sobre a escola, por exemplo, na década de 30 no Brasil. Não se discute, porém, o que está acontecendo dentro da escola; debate-se o acesso à escola e a contribuição do ensino para a modernização do país. As contradições relativas à escola são contradições sociais a respeito da escola e não contradições dentro da escola. Em tal configuração socioescolar, a posição social dos professores, a sua imagem na opinião pública, o seu trabalho na sala de aula são claramente definidos e estáveis. O professor é mal pago, mas é respeitado e sabe qual é a sua função social e quais devem ser as suas práticas na sala de aula. Essa configuração histórica muda por inteiro a partir dos anos 60 e 70 do século XX. Na maioria dos países do mundo, a escola passa a ser pensada na perspectiva do desenvolvimento econômico e social; é o caso nos Estados-Unidos, na França, no Japão e nos países do Sudeste Asiático, no Brasil, nos países africanos, etc. Essa nova perspectiva leva a um esforço para universalizar a escola primária e, a seguir, o ensino fundamental. Dessa época para cá, aos poucos ingressam na escola, em níveis cada vez mais avançados, rapazes e moças pertencentes a camadas sociais que, outrora, não tinham acesso à escola ou apenas cursavam as primeiras séries. Esse movimento de expansão escolar é organizado e pilotado, antes de tudo, pelo Estado.
Doravante, o fato de ter ido à escola, ter estudado até certo nível de escolaridade, ter obtido um diploma abre perspectivas de inserção profissional e ascensão social. Com efeito, estudos e diplomas permitem conseguir empregos gerados pelo desenvolvimento econômico e social e pela expansão da própria escola. Começa a se impor um novo modelo de ingresso na vida adulta, modelo esse que articula nível de estudos a posição profissional e social. Apesar das taxas elevadas de desemprego e da importância da economia informal, esse modelo já predomina no Brasil: a história escolar de uma criança acarreta conseqüências importantes, efetivas ou potenciais, para sua vida futura. Em tal configuração socioescolar, a contradição entra para a escola. Primeiro, porque, doravante, importa muito o fato de ter sido bem-sucedido na escola ou, ao contrário, fracassado, o que torna mais angustiada a relação dos alunos e dos pais com a escola e mais tensa a sua relação com os professores. A nota e o diploma medem o valor da pessoa e prenunciam o futuro do filho. Não basta tirar uma nota boa e obter um bom diploma, é preciso conseguir notas e diplomas superiores aos dos demais alunos para conquistar as melhores vagas no mercado de trabalho e ocupar as posições sociais mais lucrativas e prestigiosas. A escola vira espaço de concorrência entre crianças. Em segundo lugar, as novas camadas sociais que ingressam para a escola, em particular para o último segmento do ensino fundamental, importam para o universo escolar comportamentos, atitudes, relações com a escola e com o que nela se estuda, que não combinam com a tradição e até com a função da escola. Esses “novos alunos” encontram dificuldades para atender às exigências da escola no que diz respeito às aprendizagens e à disciplina. Ademais, já se desenvolvem novas fontes de informação e de conhecimento, em especial a televisão, mais atraentes para os alunos do que a escola. Em terceiro lugar, os professores sofrem novas pressões sociais. Já que os resultados escolares dos alunos são importantes para as famílias e para “o futuro do país”, os professores são vigiados, criticados. Vão se multiplicando os discursos sobre a escola, mas também sobre os professores. No entanto, os salários dos professores permanecem baixos e, no Brasil, até muito baixos. Com efeito, o salário auferido por uma categoria profissional não depende apenas da importância social da sua função e da competência requerida para cumpri-la, mas, também, da raridade das pessoas aptas a ocupar a mesma vaga. Ora, com a expansão da escola, em particular nas camadas sociais populares, desprovidas das redes relacionais que possibilitam conseguir os empregos mais cobiçados, são cada vez mais numerosas as pessoas diplomadas e aptas a ensinar. Por todas essas razões, a contradição entra na escola e desestabiliza a função docente. A sociedade tende a imputar aos próprios professores a responsabilidade dessas contradições. Até as práticas pedagógicas, cuja eficácia parecia comprovada pela tradição, são questionadas e criticadas: começa a ser desprezado o professor “tradicional”. Perduram até os dias atuais as funções conferidas à escola nos anos 60 e 70, os pedidos a ela endereçados, as contradições que ela deve enfrentar e, portanto, a desestabilização da função docente. Nessa base, contudo, dá-se uma nova guinada nas décadas de 80 e 90. Esta é geralmente atribuída à “globalização”, fenômeno bastante escuro nas mentes, mas percebido como ameaça e exigência inelutável. Na verdade, a própria globalização, isto é, o desenvolvimento de redes transnacionais
pelas quais transitam fluxos de mercadorias, serviços, capitais, informações, imagens, etc., até agora surtiu poucos efeitos diretos em países como o Brasil (CHARLOT, 2007). As mudanças, incluídas aquelas que dizem respeito à escola, decorrem das novas lógicas neoliberais, impondo
a sua versão da modernização econômica e social. Essas lógicas são ligadas à globalização, mas
constituem um fenômeno mais amplo. Podem ser resumidas da seguinte forma. Primeiro, tornam-se predominantes as exigências de eficácia e qualidade da ação e da produção social, inclusive quando se trata de educação. Em segundo lugar, essas exigências levam a considerar o fim do ensino médio como o nível desejável de formação da população em um país que ambiciona enfrentar a concorrência internacional e a abrir as portas do ensino superior a uma parte maior da juventude. Por um efeito de feedback, crescem as exigências atinentes à qualidade do ensino fundamental. Em terceiro lugar, a ideologia neoliberal impõe a idéia de que a “lei do mercado” é o melhor meio, e até o único, para alcançar eficácia e qualidade. Multiplicam-se as privatizações, inclusive, em alguns países, em especial no Brasil, as do ensino, quer fundamental, quer médio, quer superior ainda mais. De modo geral, a esfera na qual o Estado atua diretamente reduz-se. O Estado recua, em proveito do “global” e, ainda, do “local”, beneficiado pelo recuo do Estado. Por fim, desenvolvem-se em ritmo rápido novas tecnologias de informação e comunicação: computador, Internet, CD-ROM, celular. Dessa
forma, nascem e crescem espaços de comunicação e informação que escapam ao controle da escola e da família e que fascinam particularmente os jovens: MSM, Orkut etc. Todas essas transformações têm conseqüências sobre a profissão docente, desestabilizada não apenas pelas exigências crescentes dos pais e da opinião pública, mas também na sua posição profissional (nas escolas particulares), na sua posição diante de seus alunos, nas suas práticas. Hoje em dia, o professor já não é um funcionário que deve aplicar regras predefinidas, cuja execução é controlada pela sua hierarquia; é, sim, um profissional que deve resolver os problemas. A injunção passou a ser: “faça o que quiser, mas resolva aquele problema”. O professor ganhou uma autonomia profissional mais ampla, mas, agora, é responsabilizado pelos resultados, em particular pelo fracasso dos alunos. Vigia-se menos a conformidade da atuação do professor com as normas oficiais, mas avaliam-se cada vez mais os alunos, sendo a avaliação o  contrapeso lógico da autonomia profissional do docente. Essa mudança de política implica numa transformação identitária do professor. Para resolver os problemas, o professor é convidado a adaptar sua ação ao contexto. A escola e os professores devem elaborar um projeto político-pedagógico, levando em conta as características do bairro e dos alunos, mobilizar recursos culturais e financeiros que possibilitem melhorar a eficácia e a qualidade da formação, tecer parcerias, desenvolver projetos com os alunos etc. Essas novas exigências requerem uma cultura profissional que não é a cultura tradicional do universo docente; o professor, que não foi e ainda não é formado para tanto, fica um pouco perdido. O professor deve, agora, pensar de modo, ao mesmo tempo, “global” e “local”. Há de preparar os seus alunos para uma sociedade globalizada e, também, de “ligar a escola à comunidade”. Esse global, o professor encontra-o, sobretudo, sob forma da cultura informática. Esta o coloca face a uma tripla dificuldade. Primeiro, o acesso fácil a inumeráveis informações, graças à Internet, faz com que o docente já
não seja para o aluno, como foi outrora, a única, nem sequer a principal fonte de informações sobre o mundo. Sendo assim, é preciso redefinir a função do professor, para que este não seja desvalorizado. Mas esse trabalho de redefinição ainda não foi esboçado. Ademais, o interesse dos alunos pela comunicação por Internet e por celular faz com que eles leiam cada vez menos textos impressos, enquanto esse tipo de textos permanece a base da aprendizagem escolar da língua e da cultura escolar, e inventam novas formas lingüísticas em uma comunicação “pingue-pongue”. Por fim, o professor é convidado a utilizar essas novas tecnologias no seu ensino e as escolas recebem computadores. O professor alega que não foi formado para tanto. É verdade, mas há dois obstáculos ainda maiores ao uso pedagógico dessas novas tecnologias. Primeiro, existe uma diferença entre “informação” e “saber”: como usar as informações disponibilizadas pela Internet para transmitir ou construir saberes? Se não for desenvolvida uma reflexão fundamental sobre esse assunto, os computadores permanecerão nos armários das escolas, ou numa sala trancada. Segundo, a “forma escolar”, isto é, as estruturas de espaço e tempo das escolas, a forma como os alunos são distribuídos em turmas, os modos de avaliar não combinam com o uso pedagógico do computador e da Internet. Como já mencionado, o professor defronta-se, ainda, com novos tipos de alunos, cujos modos de pensamento pouco condizem com o que requer o sucesso escolar. Ao levar à idéia de uma construção, ou reconstrução, do saber pelo aluno, de forma ativa, em um processo de mobilização intelectual, as pesquisas em Psicologia, Sociologia, Epistemologia, Educação propõem ao professor uma solução, amplamente difundida pelos centros de formação. Contudo, a proposta “construtivista”, por valiosa que seja em si, implica formas de organização e de avaliação escolares diferentes das que estruturam a escola atual. Resta o construtivismo como injunção endereçada ao professor, vara mágica que poderia resolver os problemas atuais da escola, dos professores e dos alunos. Por fim, o professor sofre os efeitos de uma contradição radical da sociedade capitalista contemporânea.
Por um lado, esta precisa de trabalhadores cada vez mais reflexivos, criativos, responsáveis, autônomos – e, também, de consumidores cada vez mais informados e críticos. Por outro lado, porém, ela promove uma concorrência generalizada, em todas as áreas da vida, trate-se de produção, de serviço, de lazer e até de beleza.  Sendo assim, uma formação cada vez mais ambiciosa é proposta a alunos visando cada vez mais à nota e não ao saber. As avaliações nacionais (SAEB, ENEM, no Brasil) e internacionais (PISA) e o vestibular brasileiro, que norteia o ensino médio e, de forma indireta, o ensino fundamental e, às vezes, a educação infantil, acentuam essa focalização dos alunos e dos professores sobre a nota. O próprio professor encarna essa contradição radical: sonha em transmitir saberes e formar jovens, mas vive dando notas a alunos. De forma mais ampla, o professor trabalha emaranhado em tensões e contradições arraigadas nas contradições econômicas, sociais e culturais da sociedade contemporânea.


2. As contradições no cotidiano: a professora na escola e na sala de aula

O professor é uma figura simbólica sobre a qual são projetadas muitas contradições econômicas, sociais e culturais. Contudo, seria um erro considerar que as contradições enfrentadas pela professora[2] , no cotidiano, são um simples reflexo das ras que se sentem vítimas da sociedade, dos pais, dos alunos, das Secretarias de Educação etc. Do mesmo modo, para quem falam os professores universitários e demais formadores de docentes? Para professoras que encarnam o patrimônio universal do saber, que entendem tudo de Piaget, Vygotsky, Freud, Marx e mais alguns, que adoram se comunicar com os jovens e, ainda, redigir planejamentos detalhados, que amam todas as crianças, até as mais violentas e chatas e, além disso, que não pedem “receitas” para conseguirem ser heroínas e santas. O que é essa profissão em que, para ser um bom profissional, deve-se ser santo ou militante? No discurso pedagogicamente correto, cadê a professora “normal”, isto é, a professora que prefere ir à praia ou namorar a dar aula de matemática? Isso não significa dizer que não seja uma boa professora. Qual é exatamente a função daquele discurso heróico? A esse respeito, vale refletir sobre a função desempenhada, nos debates sobre a escola, pelos exemplos de escolas famosas, que se tornaram radicalmente diferentes das escolas triviais – como, nos dias atuais, a escola portuguesa da Ponte, cuja história é divulgada pelo Brasil, com talento, por José Pacheco, um dos seus atores (PACHECO, 2003; 2006). Não há dúvida alguma de que essa escola seja interessante, como é a sua apresentação por José Pacheco. O problema é outro: por que esse exemplo comove tanto professoras que nunca tentaram fazer o mesmo e, na sua maioria, iriam recusar tal aventura se lhes fosse proposta? Avanço a hipótese de que tais exemplos e, de forma mais geral, os discursos heróicos sobre a educação e a escola, satisfazem a “parte do sonho” que subsiste nas professoras, por mais difíceis e afastadas do ideal que sejam as suas condições reais de trabalho. O professor herói é o Eu Ideal coletivo que possibilita às professoras agüentarem o seu trabalho cotidiano. Do lado da Instituição de formação, ele é a prova de que “isso é possível”, que quem quer mesmo mudar, pode. Desse ponto de vista, existe uma convergência implícita entre os propagadores de exemplos famosos e o discurso universitário pedagogicamente correto, apesar do desprezo explícito para com a universidade manifestado, muitas vezes, por esses propagadores. Os discursos são iguais: quem quiser, pode. O discurso é certo, mas incompleto: quem quiser, pode, contanto que assuma a postura de herói, santo, militante. O problema é que há, no Brasil, cerca de 2,4 milhões de “funções docentes”[3] . Será que teremos de esperar que tanta gente se converta ao heroísmo para mudar a escola brasileira? Os docentes têm consciência dessa injunção heróica e reclamam. Recentemente, após uma palestra em que tinha explicado que os alunos se queixam da rotina escolar e avançado a idéia da escola como lugar de aventura intelectual, recebi, por escrito, a seguinte “pergunta”, que foi bastante aplaudida pela platéia de professores.

O professor está sempre errado.
* é jovem: não tem experiência
* é velho: está superado
* chama atenção: é grosso
* não chama atenção: não tem moral
* usa a língua portuguesa corretamente: ninguém entende
* fala a linguagem do aluno: não tem vocabulário
* tem carro: chora de barriga cheia
* anda de ônibus: é coitado
* o aluno é aprovado: deu mole
* o aluno é reprovado: perseguição.
Como implementar uma aventura intelectual nas escolas, marcadas por transformações sociais?

Esse texto evidencia três fenômenos. Primeiro: o professor tem consciência de estar preso em discursos contraditórios. Segundo: ele interpreta essas contradições em termos pessoais, ainda que entenda que são ligadas a transformações sociais. Terceiro fenômeno: essa situação gera vitimização, indignação e desmobilização profissional. Por um lado, o herói da Pedagogia. Por outro, a vítima, mal paga e sempre criticada. Falta o professor normal, que trabalha para ganhar um salário e sustentar sua família, que vive situações esgotantes e, também, prazeres dos quais pouco fala, que se sente objeto de críticas, mas, afinal de contas, orgulha-se do trabalho feito, que ensina com rotinas provadas, mas, às vezes, abre parênteses construtivistas. Ao silenciar, o professor normal conforta-se, o que Peter Woods (1990) chama de “estratégias de sobrevivência”. O primeiro objetivo do professor, explica ele, é sobreviver, profissional e psicologicamente, e só a seguir vêm os objetivos de formação dos alunos. Quanto mais difíceis as condições de trabalho, mais predominam as estratégias de sobrevivência. Avanço a hipótese de que são essas estratégias de sobrevivência, e não uma misteriosa “resistência à mudança”, que freiam as tentativas de reforma ou inovação pedagógica. Quem propõe uma mudança significativa desestabiliza as estratégias de sobrevivência do professor e este não recusa a mudança, mas a reinterpreta na lógica de suas estratégias de sobrevivência – o que, muitas vezes, acaba por esvaziar o sentido da inovação. Esse balanço do professor, entre herói e vítima, é um efeito estrutural, inerente à própria situação de ensino, como será explicitado na próxima seção deste artigo. Entretanto, pode ser mais ou menos amplo. Quando o professor se sente amparado pela sociedade e pela Instituição escolar, trata-se apenas de um balanço de pouca amplitude, que se manifesta quando ocorrem dificuldades profissionais particulares. Mas quando a sociedade e a própria Instituição escolar abandonam o professor e até o criticam, como fazem hoje em dia, esse balanço torna-se um marco da identidade profissional e social do professor. contradições sociais. A situação é mais complexa. Existem tensões inerentes ao próprio ato de educar e ensinar. Quando são mal geridas, essas tensões viram contradições, sofridas pelos docentes e pelos alunos. Os modos como se gerem as tensões e as formas que tomam as contradições dependem da prática da professora e, também, da organização da escola, do funcionamento da Instituição escolar, do que a sociedade espera dela e lhe pede. Portanto, as contradições são, ao mesmo tempo, estruturais, isto é, ligadas à própria atividade docente, e sócio-históricas, uma vez que são moldadas pelas condições sociais do ensino em certa época. São essas tensões e contradições, na sua dupla dimensão, que tentarei analisar aqui.





2.2. “Culpa” do aluno ou “culpa” do professor?

Só pode aprender quem desenvolve uma atividade intelectual para isso e, portanto, ninguém  pode aprender no lugar do outro. Às vezes, quando um aluno não entende as explicações da professora, esta gostaria de poder entrar no seu cérebro para fazer o trabalho. Mas não pode: por mais semelhantes que sejam os seres humanos, são também singulares e, logo, diferentes. Quem aprende é o aluno. Se não quiser, recusando-se a entrar na atividade intelectual, não aprenderá, seja qual for o método pedagógico da professora. Nesse caso, quem será cobrado pelo fracasso? O próprio aluno, mas igualmente a professora. Em outras palavras, o aluno depende da professora, mas, também, esta depende daquele. Sendo assim, permanentemente, ela deve pressionar o aluno, negociar, procurar novas abordagens dos conteúdos ensinados, adaptar o nível da sua aula, sem por isso renunciar à transmissão do saber. Existe, portanto, uma tensão inerente ao ato de ensino/aprendizagem. Quando o aluno não consegue aprender, sempre chega um momento em que é difícil não levantar a questão de saber de quem é a culpa. Do aluno, que é burro, ou da professora, que não sabe ensinar? Não é apenas um problema pedagógico; é o valor pessoal e a dignidade de cada um que está em jogo. Trata-se de uma tensão, e não de uma contradição, as sempre a tensão pode gerar contradição e conflito. Com efeito, em tal situação, logo a professora ultrapassa os limites da pressão pedagógica legítima e, irritada, recorre a meios que ferem o direito do aluno a ser respeitado. O aluno, por sua vez, não deixa de se vingar da humilhação provocada pelos xingamentos e castigos e pelo próprio fracasso em aprender. Esse deslize da tensão para o conflito é rápido na sociedade contemporânea. Como foi mencionado, o sucesso e o fracasso escolar já não são somente assuntos pedagógicos, uma vez que acarretam conseqüências importantes para o futuro profissional e social da criança. Logo, a relação pedagógica torna-se mais tensa do que outrora. Pior ainda: enquanto o sucesso escolar requer uma mobilização intelectual do aluno, este vive a escola cada vez mais na lógica da nota e da concorrência e cada vez menos na da atividade intelectual. Não vai à escola para aprender, mas para tirar boas notas e passar de ano, sejam quais forem os meios utilizados, às vezes, com o respaldo dos pais. As minhas pesquisas sobre a relação com a escola e com o saber evidenciaram uma crescente defasagem entre nota esperada e mobilização intelectual do aluno. Para este, quem é ativo no ato de ensino/ aprendizagem é, antes de tudo, o professor (CHARLOT, 2005). Nessa lógica, cabe ao aluno ir à escola e escutar o professor, sem bagunçar,
brincar nem brigar. Posto isso, o que ocorrerá depende do professor: se este explicar bem, o aluno aprenderá e obterá uma boa nota. Se a nota for ruim, será porque o professor não explicou bem. O aluno que escutou o professor se sente injustiçado quando tira uma nota ruim: quem deveria ter essa nota é o próprio professor, aquele que, para cúmulo da injustiça, deu-lhe essa nota! Professor é quem aceita essa dinâmica, negocia, gere a contradição, não desiste de ensinar e, apesar de tudo, mas nem sempre, consegue formar os seus alunos.


2.3. Tradicional ou construtivista?

As professoras brasileiras, como a maioria dos docentes, no mundo inteiro, são basicamente tradicionais. Entretanto, essas professoras tradicionais sentem-se obrigadas a dizer que são construtivistas! Têm práticas tradicionais porque a escola é organizada para tais práticas e, ainda que seja indiretamente, impõe-nas. Declaram-se construtivistas para atenderem à injunção axiológica: para ser valorizado, o docente brasileiro deve dar-se por construtivista. A contradição permanece suportável, haja vista que, por um lado, trata-se das práticas e, por outro, de simples rótulos. No entanto, ela entretém certo mal-estar ou até cinismo entre os professores e tende a ocultar, atrás daquela oposição entre “tradicional” e “construtivista”, as verdadeiras dificuldades e contradições que enfrenta a professora brasileira. “Tradicional” passou a ser um insulto, evocando a poeira das antigas casas e as lixeiras da pedagogia. Além do insulto, de que se trata exatamente? Descartemos a hipótese de que esse adjetivo remete à transmissão de um patrimônio. Esta é uma das funções fundamentais da educação e da escola e, nesse sentido, seja qual for o seu funcionamento e sua pedagogia, uma escola não pode deixar de ser tradicional. A representação do professor considerado “tradicional”, ainda que permaneça um tanto vaga, ajunta certo feitio e supostos métodos. É rotulado como tradicional o professor que confere uma grande importância à disciplina, ao respeito, à polidez, o que lhe vale a fama de ser severo. Desprezar essa postura pedagógica é um pouco paradoxal, uma vez que a sociedade contemporânea reclama da escola que já não educa as crianças, não ensina a polidez aos alunos, não consegue conter a violência, impor a sua autoridade etc. Mais ainda: o que é assim apontado como atitude do professor é, na verdade, o fundamento filosófico da pedagogia tradicional. Para esta, educar é, antes de tudo, obter que a Razão controle e domine as emoções e paixões. Muitas vezes, objeta- se à pedagogia tradicional que ela exige das crianças comportamentos que não condizem com a natureza destas. Mas é precisamente porque são contrários à natureza que a escola os requer. A pedagogia tradicional visa a emancipar a Razão humana das cadeias da emoção, do corpo, da natureza. “Soma sema”, diz Platão: o corpo é um túmulo e a educação é ascensão do mundo sensível para o mundo inteligível das Idéias (PLATÃO, 2002). Nos séculos XVI e XVII, considera-se que a natureza infantil é corrupta e que o papel da educação é livrar a criança da corrupção. Bérulle fala “do estado da infância, estado mais vil e abjeto da natureza humana, depois do da morte” e os pedagogos de Port-Royal declaram: “O diabo ataca as crianças e elas não o combatem” (CHARLOT, 1979, p.117). Ainda no século XVIII, Kant escreve:  “A disciplina transforma a animalidade em humanidade (...). É assim, por exemplo, que se enviam logo de início as crianças à escola, não com a intenção de que lá aprendam alguma coisa, mas a fim de que se habituem a permanecer tranqüilamente sentadas e a observar o que se lhes ordena” (CHARLOT, 1979, p. 73). Mudou por inteiro a nossa representação da criança, com Rousseau, com o advento da burguesia e, mais ainda, no século XX, com a legitimação do desejo e a valorização de tudo quanto é “natural”. Portanto, o discurso histórico da pedagogia tradicional é ultrapassado, claro está. Todavia, será que se pode considerar resolvida a questão que ela levanta,  isto é, a da estruturação do sujeito humano por normas éticas e sociais? Não seria este o problema fundamental enfrentado por muitas professoras, na sala de aula contemporânea: disciplinar e estruturar crianças que vivem na cultura do prazer imediato e já não agüentam qualquer frustração? O professor é, também, rotulado como tradicional, quando utiliza os mesmos métodos pedagógicos dos professores das gerações anteriores. Vale refletir sobre esse argumento. Primeiro, não corresponde à realidade atual: nenhum professor ensina  como faziam outrora. Muitos gostariam de fazê-lo, mas isso se tornou impossível, já que tantas coisas mudaram. Segundo, o argumento não corresponde à realidade histórica. Acredita-se que é tradicional o professor que ministra aulas expositivas a alunos passivos. Na verdade, esse método não é tradicional, é um desvio ocorrido no século XX. A pedagogia tradicional solicita muito a atividade do aluno, que, no ensino primário, faz exercícios e, no ensino secundário, redige versões, temas, dissertações, etc. Alain, melhor representante da pedagogia tradicional no século XX, escreve, a respeito das salas de aula onde o professor sempre fala: “odeio essas pequenas sorbonnes” (ALAIN, 1969). A característica do método tradicional é outra: o professor explica o conteúdo da aula e as regras da atividade e o aluno aplica o que lhe foi ensinado. Primeiro vêm o saber e as regras e, a seguir, a atividade do aluno. Desse ponto de vista, o construtivismo opera, de fato, uma ruptura fundamental. Ser construtivista não significa, como se pensa muitas vezes, ou, melhor, como se fala sem pensar, ser moderno, dinâmico, inovador. Como se toda e qualquer inovação fosse boa... Ser construtivista é opor ao modelo tradicional da aula seguida por exercícios de aplicação um modelo em que a atividade vem primeiro: ao tentar resolver problemas, a mente do aluno mobiliza-se e constrói respostas, que são vias de acesso ao saber. Piaget, um dos pais do construtivismo, mostrou que as estruturas intelectuais, desde as mais simples, isto é, as da percepção, até as mais complexas, isto é, as do pensamento operatório formal, são construídas e transformadas pela atividade da criança e do adolescente (PIAGET, 1976). Bachelard, outro pai do construtivismo, evidenciou que, na história da ciência, o saber nasce do questionamento e se constrói por retificações sucessivas (BACHELARD, 1996; SILVA, 2007). A importância desses achados, em particular na esfera pedagógica, é grande: hoje, ninguém pode negar que a atividade de quem aprende é o fundamento da aprendizagem. Entretanto, o construtivismo não fecha o debate sobre os métodos, ao contrário do que se pensa, às vezes. Deve-se, também, levar em consideração os aportes de Vygotsky – que está tanto na moda quanto o construtivismo, sem que se preocupe muito com a coerência entre as duas abordagens... Primeiro, Vygotsky ressalta que a criança nasce num mundo onde lhe preexistem significações (palavras-conceitos), que devem ser transmitidas à criança e apropriadas por ela (VYGOTSKY, 1987). Disso, podemos deduzir que a função do professor não é apenas acompanhar os alunos em processos construtivistas, mas também, de forma mais “tradicional”, pôr em circulação significações desconhecidas pelo aluno. Segundo, Vygotsky explica que o “saber científico”, no qual ele inclui o saber escolar, difere do “saber comum”, ou “cotidiano”, por possuir três características: é consciente, voluntário, sistemático. Cabe salientar que Piaget e Bachelard, por mais “construtivistas” que sejam, consideram também a sistematicidade como um marco da cientificidade. Ora, a questão da sistematização é o principal obstáculo em que esbarram os métodos de ensino construtivistas. Por si só, a atividade intelectual dos alunos não os leva aos saberes sistematizados e institucionalizados e  às palavras que os acompanham. Sempre chega um momento em que a professora deve substituir as palavras criadas pelos alunos por aquelas que são admitidas pela comunidade científica. E sempre chega um momento em que a professora deve propor, ou completar, uma síntese do que foi construído pelos alunos; estes constroem paredes, não edificam casas, muito menos aqueles palácios e catedrais que se chamam Ciências. Posto isso, faz-se claro que a questão fundamental não é saber se a professora é “tradicional” ou “construtivista”, mas como ela resolve duas tensões inerentes ao ato de ensino e ao de educar. Ensinar é, ao mesmo tempo, mobilizar a atividade dos alunos para que construam saberes e transmitir- lhes um patrimônio de saberes sistematizados legado pelas gerações anteriores de seres humanos. Conforme os aportes de Bachelard, o mais importante é entender que a aprendizagem nasce do questionamento e leva a sistemas constituídos. É essa viagem intelectual que importa. Ela implica em que o docente não seja apenas professor de conteúdos, isto é, de respostas, mas também, e em primeiro lugar, professor de questionamento.  Quanto aos alunos, às vezes, andarão sozinhos, com discreto acompanhamento da professora e, outras vezes, caminharão com a professora de mãos dadas. O mais importante é que saibam de onde vêm, por que andam e, ainda, que cheguem a algum lugar que valha a pena ter feito a viagem. Essa tensão entre construir saberes e herdar um patrimônio é inerente ao ato de ensinar, mas, como já mencionado, a força da tensão e as formas que ela toma dependem das configurações sócio-históricas. As professoras ensinam em escolas cuja forma básica foi definida nos séculos XVI e XVII: um espaço segmentado, um tempo fragmentado, uma avaliação que diz o valor da pessoa do aluno. Essa forma escolar condiz com a pedagogia tradicional. É nela que a professora é convidada a ser construtivista e a usar o computador e a Internet.. Imaginemos uma professora que leve a sério a injunção construtivista: mobiliza os seus alunos em pesquisas, desenvolve projetos, pratica uma avaliação formadora, diagnóstica e reguladora. E, no final do mês, do semestre ou do ano, a sua diretora lhe pede... a nota dos alunos! Aliás, essa própria diretora sofre a pressão dos pais e da Instituição escolar, pública ou particular, que querem notas. O que pode fazer aquela professora? Atribuir a mesma nota a todos os alunos? “Deu mole”, como diz o professor cujo texto citei. Atribuir-lhes notas diferentes? Neste caso, os alunos não estudarão mais para levar a cabo a pesquisa e o projeto, mas para tirar a melhor nota possível. De forma mais geral, a injunção construtivista, por mais fundamentada que seja do ponto de vista teórico, negligencia muitos dados atinentes ao exercício da função docente na sociedade contemporânea. Destacarei aqui dois obstáculos que a professora há de ultrapassar se quiser ser mesmo construtivista ou introduzir momentos construtivistas na sua prática pedagógica. Primeiro obstáculo: os próprios alunos não são construtivistas. A injunção construtivista supõe alunos prestes a se investirem numa atividade intelectual. Mas o maior problema que a professora atual encontra é, precisamente, conseguir mobilizar os seus alunos numa atividade intelectual. Como já foi mencionado, eles vão à escola para, antes de tudo, tirar notas boas e passar de ano e, ademais, consideram que é a professora quem é ativa no ato de ensino/ aprendizagem. Quanto maior a pressão exercida pela nota, mais os alunos desenvolvem estratégias de sobrevivência: frear o professor, colar, decorar os conteúdos sem entendê-los etc. Isso não significa que os alunos sejam idiotas ou não gostem de refletir; significa, sim, que tentam sobreviver numa escola que os coloca em situações que contradizem os objetivos de espírito crítico e autonomia proclamados por ela. Numa situação dessas, os momentos construtivistas constituem conquistas da professora, conforme a inteligência epistemológica e pedagógica, mas à contracorrente da ordem socioinstitucional da escola contemporânea. Em segundo lugar, a injunção construtivista negligencia o fato de que a professora trabalha em uma instituição. Ser construtivista implica em despertar nos alunos um desejo de aprender, acompanhá-los numa caminhada cheia de obstáculos superados, de erros retificados, de problemas resolvidos, de angústias, de mal-entendidos, de incompreensões. Ser construtivista é trabalhar num mundo afetiva e intelectualmente turvo. Ora, o que quer a instituição? Definir, delimitar, organizar, gerir racionalmente, controlar. Qualquer instituição carrega no seu DNA um fantasma de domínio e de transparência: pretende assinar os objetivos, determinar os processos, avaliar os resultados. Decerto, as instituições da sociedade contemporânea, por razões que explicitamos, houveram de delegar responsabilidades aos atores sociais e, assim, abriram espaços de autonomia. Mas a instituição escolar da sociedade contemporânea continua, mais do que nunca, a avaliar, avaliar, avaliar e a pedir notas, notas, notas. Aliás, nos países onde existe o vestibular, a instituição nem precisa insistir: o professor e o próprio aluno interiorizaram a notação como função central do ensino. Em tal situação, o que pode fazer a professora? O que ela faz: ter práticas tradicionais, que nem precisa esconder, e, às vezes, abrir parênteses construtivistas, que a instituição e a própria professora realçam logo que aparece um debate pedagógico. Uma estudante universitária, que chamarei aqui de Maria, me contou a seguinte história. Quando cursava a licenciatura de pedagogia, tinha uma professora doida pelo construtivismo e Maria, que já ensinava, teve de preparar e experimentar, numa sala com quarenta alunos, em um bairro popular, uma aula construtivista. Colocou os alunos em pequenos grupos, bateu fotografias e, a seguir, voltou a sua aula normal, de tipo tradicional participativo. Na universidade, mostrou as fotografias e narrou, como se tivesse ocorrido, o que teria acontecido se tivesse feito a aula construtivista ideal ansiada pela sua professora universitária. Esta adorou. Os demais estudantes que já tinham uma experiência de ensino entenderam de imediato o jeitinho que Maria tinha utilizado e parabenizaram-na depois da aula: “Maria, você deveria fazer teatro”. Será que conseguiremos mudar as escolas brasileiras com tais práticas universitárias de formação dos professores?


2.4. Ser universalista ou respeitar as diferenças?

A escola é universalista, pelo menos nas sociedades democráticas, e não pode deixar de sê-lo. Por duas razões. Primeiro, porque a educabilidade de todos os seres humanos é, ou deveria ser, o princípio básico do professor: qualquer ser humano sempre vale mais do que fez e do que parece ser. Segundo, a escola não pode deixar de ser universalista porque a sua especificidade é a de divulgar saberes universais e sistematizados, ou seja, saberes cuja verdade depende da relação entre elementos em um sistema, e não da sensibilidade pessoal e da interpretação de cada um. Não significa dizer que a escola seja puro espaço da Razão e desconheça a sensibilidade, o corpo, a imaginação. Mas, até quando ela cuida destes, ela introduz regras, normas. Inventar uma história requer imaginação, mas é necessário, também, escrever um texto e isso não se faz de qualquer jeito. Uma pintura de criança, por mais bonita que seja, não é um quadro de Picasso. A luta que o professor de Educação Física ensina é diferente da briga de rua com socos e pontapés. Mas, na sociedade contemporânea, o professor, trabalhador do universal e da norma, deve também ensinar às crianças respeitarem as diferenças culturais. Essa idéia é simpática e não contradiz diretamente a vocação universal da escola: todos os seres humanos participam de uma cultura, mas sempre se trata de uma cultura particular. O problema é outro: quais são aquelas diferenças culturais que se deve respeitar? A cultura africana do antepassado remoto da criança preta de Salvador? A cultura alemã, italiana, polonesa do antepassado do jovem gaúcho – o qual, ademais, tem também alguns portugueses entre os seus antepassados? Qual diferença cultural se deve respeitar no filho de índio saído da tribo? E de qual cultura se trata, da dos homens ou das mulheres? O que fazer, ainda, quando essa diferença cultural transmite formas de dominação? A professora do Rio Grande do Sul deve mesmo educar jovens gaúchos “machos”? Qual é o conteúdo do imperativo “respeitar as diferenças culturais” e quem explica ao docente o que significa exatamente? Na escola contemporânea, o professor deve, também, respeitar as diferenças dos seus alunos e individualizar o seu ensino. Mais uma vez, a idéia é simpática, mas qual é o seu significado exato? “Colocar o aluno no centro”, disse o Ministério francês da educação. Concordo, desde que me digam o centro do quê... Se se tratar de dizer, sob outra forma, que a escola foi criada para que os alunos aprendam e não para que os docentes ensinem, o conselho é pertinente. Mas não resolve o problema: o que significa “individualizar” o ensino de princípios e saberes universais e das normas estruturando a atividade intelectual? Quem o explica à professora? A professora que se vire... Mais ainda: a escola contemporânea não deve apenas respeitar as diferenças, ela deve, também, fazer aparecer e registrar diferenças entre os alunos. Voltemos à questão da nota, central em uma instituição que deve produzir uma hierarquia escolar prenunciando e legitimando a hierarquia social.  Imaginemos, novamente, a situação da professora cujos alunos obtivessem 10 a cada prova. O que vai lhe dizer a sua diretora? “Parabéns, colega, você é uma boa professora”? Ou: “deu mole”? No entanto, o discurso oficial afirma que todos os alunos devem ser bem-sucedidos e que a professora deve ensinar para todos. E o discurso pedagógico proclama que a Razão é universal e que qualquer ser humano pode ser educado e ensinado. Mas, apesar desses discursos lindos, que todos os alunos tirem a nota 10 parece um exagero e a professora que ousasse fazer isso não ganharia parabéns e boa fama... De fato, existe, no imaginário da instituição, a idéia de que, em toda turma, há alunos preguiçosos, fracos, dedicados, talentosos e até, quando a safra é boa, geniais e que, portanto, uma professora séria não pode deixar de atribuir notas diferenciadas. Mas a instituição segue discursando sobre a educabilidade do ser humano, a Razão universal e a escola democrática.


2.5. Restaurar a autoridade ou amar os alunos?

Não há educação sem exigências, normas, autoridade. Educar é possibilitar que advenha um ser humano, membro de uma sociedade e de uma cultura, sujeito singular e insubstituível. Queira-se ou não, isso implica em uma disciplina do desejo e numa estruturação do sujeito por normas – o princípio de realidade, diria Freud; o “Nome-do-Pai”, diria Lacan. Deste ponto de vista, o objetivo da pedagogia tradicional permanece legítimo e válido, mesmo que os recursos que ela usa, isto é, o recalque do desejo e a imposição da norma, sejam ultrapassados, na sociedade contemporânea em particular. Não há educação sem simpatia antropológica dos adultos para com os jovens da espécie humana, aquela simpatia espontânea que nos leva a amimar e afagar os “bebezinhos” e demais “fofinhos” que têm a sorte ou o azar de cruzarem os nossos caminhos.
Esse balanço entre autoridade e mimo e, de modo mais geral, a ambivalência é uma característica inerente à relação dos adultos com os jovens. Na escola da sociedade contemporânea, ele toma a forma da dupla injunção para resgatar a autoridade perdida e para amar os alunos. Comecemos pela questão da autoridade. A “violência escolar” é um dos maiores problemas que os professores devem enfrentar hoje em dia. De fato, essa expressão genérica remete a fenômenos bastante diferentes: agressões físicas, ameaças graves, pequenas brigas, assédio, palavras racistas, indisciplina escolar, indiferença ostentatória para com o ensino e a vida escolar oficial, incivilidades etc. Mas não se pode negar que a transgressão das normas esteja acometendo a escola contemporânea, bem como a família e, de modo mais amplo, a sociedade. Em face desse problema, multiplicam-se os apelos para restaurar a autoridade (versão de direita) ou para educar os jovens à cidadania (versão de esquerda). Os professores gostariam de restaurar a autoridade. Mas resta saber como... No Brasil, historicamente, a autoridade foi definida pelas relações de força impostas pela escravidão, o coronelismo, a ditadura populista ou militar. Nos dias atuais, para muitos jovens, ela toma a forma da arbitrariedade e da violência policial. Não se trata, evidentemente, de promover esse tipo de autoridade, mas uma autoridade legítima. Qual pode ser, ao ver dos jovens, o fundamento de tal autoridade? A idade? Claro que não. A sociedade contemporânea valoriza a juventude, que os adultos procuram prolongar a todo custo, e não gosta dos jovens, a quem ela fecha as portas do mercado de trabalho e culpa por todos os males do mundo. Não há pior mistura para desvalorizar os adultos e, portanto, a autoridade adulta, aos olhos dos jovens. Será que o saber pode ser fundamento da autoridade legítima? Se fosse o caso, os professores não teriam tantos problemas nas suas salas. Além disso, como uma sociedade que elege o dinheiro como medida universal de qualquer coisa, incluídos o esporte e a arte, e que paga muito mal aos seus professores pode esperar que estes restaurem a autoridade? Resta a cidadania, de que tanto se fala nos diais atuais. O problema é que, muitas vezes, confundem- se cidadania e vínculo social. A noção de vínculo social remete ao conjunto de relações que estabelecemos com pessoas com quem compartilhamos um espaço de vida: conversas, interesses comuns, ações coletivas, respeito mútuo etc. O conceito de cidadania diz respeito à esfera política: ela exprime o fato de que os membros de uma determinada sociedade têm direitos e deveres definidos por leis, que foram elaboradas em um processo coletivo e valem para todos. Ensinar alunos a tecerem vínculos sociais de reciprocidade é, claro está, um objetivo educacional. Mas essa ambição esbarra na existência das desigualdades, dos fenômenos de dominação e, no Brasil, daquele cinismo social escancarado cotidianamente pelas notícias sobre a corrupção política. Sendo assim, o discurso sobre a “cidadania”, que, na verdade, trata do vínculo social, tende, por bem intencionado que seja, a cumprir uma função ideológica: pobres, sejam bem comportadinhos, não incomodem a classe média com seus comportamentos. Ao contrário, o conceito de cidadania tem um valor crítico, haja vista que destaca a igualdade de direitos e deveres, o interesse geral, a preeminência da lei. Mas é preciso levar a sério esse conceito quando se quiser educar os alunos à cidadania. Isto requer a existência de uma comunidade escolar regida pela lei e não pela vontade do mais forte e pela arbitrariedade. Ora, a escola vivenciada pelo aluno, aquela que pretende educá-lo à cidadania, não é uma comunidade de cidadãos. Primeiro, o seu Regimento interno não é uma lei, mas um diktat imposto pelos poderosos. Não passa de um conjunto de regras ditando deveres dos alunos e silenciando os seus direitos – salvo o direito de estudar e ser educado, que, convenhamos, não é muito atraente para os alunos. Uma lei define direitos e deveres. O Regimento das escolas só lista proibições, incluídas, às vezes, as mais estranhas. Por que as escolas proíbem tatuagens, piercings, brincos nas orelhas dos rapazes? Sem, por isso, deixar de falar de direito à diferença e igualdade de gênero... O ponto não é saber se são práticas feias ou lindas, é interrogar a legitimidade da escola em se meter em tais assuntos. Até que se saiba, nenhum brinco impede ao aluno escutar a professora – que, por sinal, usa brincos. Essa não é uma questão de pedagogia ou educação escolar; é, sim, um “arbitrário cultural” e uma “violência simbólica”, como diria Bourdieu; arbitrário e violência inscritos no Regimento da escola. Segundo, uma lei vale para todos, incluídos aqueles a quem incumbe aplicar a lei. Ora, o Regimento interior da escola nada diz sobre os direitos e deveres do pessoal da escola. Não se trata de cair na demagogia: os direitos e deveres dos professores não podem ser semelhantes aos dos alunos, uma vez que existem funções diferentes na escola. Mas há de se definir também direitos e deveres dos professores, do diretor, da merendeira, do porteiro etc. Quando um aluno falta ou chega atrasado, deve justificar a falta ou o atraso. E a professora? Os alunos não têm de se meter nisso? Neste caso, o Regimento não é uma lei e a escola não é um espaço de cidadania. Por fim, a escola não respeita os Direitos do Homem e do Cidadão, aqueles que a Carta da ONU e a Constituição Federal brasileira enunciam. “Ninguém pode ser juiz e parte, no mesmo processo”: esse é um princípio básico do Direito. Na escola, o professor briga com um aluno, julga e castiga. A Constituição brasileira de 1988 diz: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (artigo LV). Na escola, o aluno acusado não tem direito ao contraditório, à ampla defesa, nem a um processo. O Direito é para adultos e não para crianças? Neste caso, a cidadania também é para adultos e não para crianças. Além de ser emaranhado em todas essas contradições, o professor considera que deve “amar os alunos”. Amar os alunos que nem fingem escutar o professor e até, às vezes, o insultam e ameaçam? Amar os alunos que batem uns nos outros e se injuriam com palavras racistas? Desta vez, trata- se mesmo de heroísmo. Novamente, é preciso recorrer à análise. Já evoquei a simpatia antropológica dos adultos para com os jovens da espécie humana. É claro que quem não sente essa simpatia não deve ensinar. Se “amar os alunos” significa isso, tudo bem. Mas esse “amor” é, por natureza, diferente do que sentimos por nossas próprias crianças. É o sentimento que une as gerações que se sucedem. Deste ponto de vista, o uso na escola das palavras “tio” e “tia”, que remetem a uma relação entre gerações, é pertinente, ainda que “professor” e “professora” sejam preferíveis, por serem mais específicas.  Além dessa relação antropológica, quem leu Freud sabe que se desenvolvem, também, relações afetivas entre professores e alunos, inclusive relações implicitamente e, na maioria das vezes, inconscientemente, sexualizadas. Vale notar, por sinal, que as professoras, sustentando a idéia de que “se deve amar os alunos”, silenciam essa dimensão da relação. Essas relações afetivas, porém, podem ser positivas ou negativas. Além disso, constituem um fato, e não uma obrigação. Um professor não tem obrigação afetiva alguma para com os alunos. Deve respeitar a sua dignidade, deve fazer tudo o que puder para formá-los; não é obrigado a “amá-los”. Não se pode assentar a escola democrática sobre sentimentos. A escola democrática é aquela onde o professor ensina e educa todos os alunos, incluídos os de quem não gosta e os que não gostam dele. Claro que a situação é melhor quando professor e aluno gostam um do outro, mas isto não é obrigação nenhuma, nem fundamento da escola. A escola não é lugar de sentimento, mas lugar de direitos e deveres. Essa escola é que pode ensinar a cidadania. Se uma professora, além de ter de gerir e superar todas as tensões e contradições que mencionei, tiver, ainda, de lidar com as ambivalências do sentimento, tornar-se-á, sim, heroína ou vítima.


2.6. A escola vinculada à comunidade ou a escola lugar específico?

A escola é um lugar específico, como já comecei a explicar quando falei de universalismo versus respeito às diferenças. A escola é um lugar que requer uma forma de distanciamento para com a experiência cotidiana. O que, nesta, é situação vivenciada e contextualizada, objeto do meio ambiente, torna-se, na escola, objeto de pensamento, de discurso, de texto. Ademais, a escola fala aos alunos de objetos que não se encontram no mundo cotidiano deles e, às vezes, em nenhum mundo sensível e leva-os para universos que apenas existem no pensamento e na linguagem. Sendo assim, a escola é fundamentalmente um espaço de palavras que possibilitam a objetivação do mundo e o distanciamento para com ele e que abrem janelas para outros espaços e tempos, para o imaginário e o ideal. Além disso, a escola é um lugar onde a própria linguagem vira objeto de linguagem, de segundo nível: na escola, fala-se sobre a fala. Essa especificidade estende-se aos comportamentos e às relações. Não se pode comportar-se  na escola como se faz fora dela; é um mundo diferente. Em particular, os conflitos, que não podem deixar de surgir na escola, como nos demais lugares, já que ela é lugar de vida e encontro entre seres humanos, devem ser geridos pela palavra, em determinados limites, e não pela pancada e pelo insulto. Essa especificidade diz respeito, também, ao professor e à professora. Aos olhos dos alunos, ainda nos dias atuais, é um pouco esquisito encontrar a sua professora no supermercado, sem sequer falar daquela que dança ou namora. Tudo o que evoca o corpo do professor e, mais ainda, da professora, segue sendo objeto de mal-estar, brincadeira ou desejo. Os próprios professores interiorizam essa especificidade da figura docente, em particular na sua relação com o dinheiro. Por causa da sua atividade profissional, tendem a colocar o saber no topo da escala de valores e o dinheiro no mais baixo escalão. Ainda hoje, os professores de Filosofia, funcionários assalariados, criticam os Sofistas, que vendiam o seu saber, e identificam-se com  Sócrates que, por mais genial que fosse, só podia espalhar de graça as suas idéias porque, ocioso, vivia às custas de sua mulher. Entretanto, na sociedade contemporânea, o dinheiro mede o valor de tudo e os professores, considerando que o salário deve corresponder ao nível de estudo, julgam que deveriam ser muito mais pagos do que são. Fazem greve. Greve dos trabalhadores do espírito e dos educadores da juventude? Fica mal... Portanto, quando os professores fazem greve, não é apenas para ganhar mais dinheiro, como é o caso quando se trata de outros trabalhadores; é, explicam os professores, para poderem estudar, comprar livros e, afinal de contas, proporcionar aos alunos uma melhor formação. Lugar específico, a escola não ensina o que se pode aprender na família e na comunidade, não ensina do mesmo modo que a família e a comunidade. Se o fizesse, não serviria para nada. Entretanto, a escola deve ser “vinculada à comunidade”. Para um francês, essa injunção (mais uma...) soa estranha. Com efeito, na história da França, a “comunidade” foi lugar de influência dos nobres e dos padres e, hoje em dia, ela é percebida como espaço de propaganda do fundamentalismo islâmico. Na cultura francesa, “comunidade” opõe-se a “República” e a escola comunitária é a negação da escola republicana. Mas a história do Brasil é outra e, portanto, outros também são o sentido e o valor da palavra “comunidade”. No Brasil, a comunidade foi, historicamente, lugar de resistência à colonização (os índios), à estrutura escravista (os quilombos), às várias formas de dominação, exploração e desvalorização e espaço de auto-organização dos migrantes. A comunidade é lugar de  resistência, de memória, de dignidade. Sendo assim, é socialmente legítimo preconizar o vínculo entre a escola e a comunidade. Vinculada à comunidade, a escola é “nossa” escola e não “a escola deles”, dos dominantes. Essa ligação é legítima, também, do ponto de vista pedagógico. Com efeito, por importante que seja a especificidade da escola, qual seria o seu valor se o que se aprende na escola fizesse sentido apenas dentro da escola? Conhecer novos mundos, ter acesso a formas ideais, objetivar o mundo e distanciar-se da experiência cotidiana, perceber-se a si mesmo como ser de Razão e de Imaginação, tudo isso só vale quando diz algo, indiretamente, a respeito da minha vida, do meu mundo, da minha experiência, de quem eu sou e posso vir a ser. O universalismo e a especificidade da escola são legítimos à medida que contribuem para esclarecer o mundo particular da criança singular e ampliá-lo. Legítimos, o universalismo da escola e a defesa da sua especificidade. Legítimo, também, o projeto de vincular a escola à comunidade que a rodeia. Ademais, é possível a conciliação entre as duas ambições. Mas não é nada fácil, sobretudo na sociedade contemporânea. Porque, em um país urbanizado como é o Brasil, cada vez menos a professora compartilha o espaço de vida dos seus alunos, em especial o dos seus alunos pobres, aqueles que encontram mais dificuldades na escola. A conciliação é difícil, ainda, porque se espera cada
vez menos da professora que ela leve os alunos ao encontro do universal e que ela lhes proporcione as chaves de compreensão da sua vida, e cada vez mais que ela possibilite aos nossos filhos serem aprovados no vestibular. Herói, o professor brasileiro? Vítima? A meu ver, na sociedade contemporânea, ele é, antes de tudo, um trabalhador da contradição. Como o policial, o médico, a assistente social e alguns outros trabalhadores, ele consta daqueles cuja função é manter um mínimo de coerência, por mais tensa que seja, em uma sociedade rasgada por múltiplas contradições. São trabalhadores cujo profissionalismo inclui uma postura ética. E, se possível for, o senso de humor.

REFERENCIAS
ALAIN. Propos sur l’éducation. Paris: PUF, 1969.
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
CHARLOT, Bernard. A mistificação pedagógica. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
CHARLOT, Bernard. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: ARTMED, 2005.
CHARLOT, Bernard. Educação e globalização: uma tentativa de colocar ordem no debate. Sísifo: revista de ciências da educação da Universidade de Lisboa, n. 4, p.129-136, set./dez. 2007.
NÓVOA, António. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, jan./jun. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 maio 2000.
PACHECO, José. Sozinhos na escola. Rio de Janeiro: Didática Suplegraf, 2003.
PACHECO, José. Caminhos para a inclusão. Porto Alegre: Artmed, 2006.
PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1976.
PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2002.
SILVA, Veleida Anahi da. Ciência, razão pedagógica e vida na obra de Bachelard. Educação em questão: revista do
Departamento e Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, v. 30, n. 16, p. 157-173, set./dez 2007.
VYGOTSKY, Lev Sémionovitch. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
WOODS, Peter. L’ethnographie de l’école. Paris: Armand Colin, 1990.



[1] * Doutor e Livre-Docente em Ciências da Educação. Professor Emérito da Universidade de Paris 8. Professor-Visitante no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Contemporaneidade (EDUCON). Endereço para correspondência: Universidade Federal de Sergipe, Núcleo de Pós-Graduação em Educação (NPGED), Cidade Universitária Prof. “José Aloísio de Campos”, Av. Marechal Rondon, s/n Jardim Rosa Elze – 49100-000 São Cristóvão/SE. E-mail: bernard.charlot@terra.com.br
[2] Uso a palavra professor quando se trata da figura simbólica que encarna a função docente e as palavras professor ou professora quando penso na pessoa singular que cumpre essa função, no cotidiano.
[3] 2 É difícil conhecer o número exato de docentes, uma vez que muitos têm dois empregos ou até três. Por isso, contabilizam-se
as “funções docentes”.

domingo, 26 de junho de 2011

FESTA JUNINA - JUNHO 2011



O mês de Junho é caracterizado por danças, comidas típicas, bandeirinhas, além das peculiaridades de cada região. É a festa junina, que se inicia no dia 12 de Junho, véspera do dia de Santo Antônio e encerra no dia 29, dia de São Pedro. O ponto mais elevado da festa ocorre nos dias 23 e 24, o dia de São João. Durante os festejos acontecem quadrilhas, forrós, leilões, bingos e casamentos caipiras.

A tradição de comemorar o dia de São João veio de Portugal, onde as festas são conhecidas pelo nome de Santos Populares e correspondem a diversos feriados municipais: Santo Antônio, em Lisboa; São Pedro, no Seixal; São João, no Porto, em Braga e em Almada.

O nome “junina” é devido à sua procedência de países europeus cristianizados. Os portugueses foram os responsáveis por trazê-la ao Brasil, e logo foi inserida aos costumes das populações indígenas e afro-brasileiras.

A festa de São João brasileira é típica da Região Nordeste. Em Campina Grande, na Paraíba, a festa junina atrai milhares de pessoas. A canjica e a pamonha são comidas tradicionais da festa na região, devido à época ser propícia para a colheita do milho. O lugar onde ocorrem os festejos juninos é chamado de arraial, onde há barracas ou um galpão adaptado para a festa.

As festas de São João são ainda comemoradas em alguns países europeus católicos, protestantes e ortodoxos. Em algumas festas europeias de São João são realizadas a fogueira de São João e a celebração de casamentos reais ou encenados, semelhantes ao casamento fictício, que é um costume no baile da quadrilha nordestina.
Por Patrícia Lopes
Equipe Brasil Escola

Nossa festa, porém teve um diferencial: os alunos e professores irmanados. Juntos somos forte e podemos mostrar o nosso potencial. Esta foi só uma amostra do que os alunos e professores da FACED são capazes de fazer.